Imperialismo: Etapa superior do capitalismo
Imperialismo: Etapa Superior do Capitalismo
Vladimir Ilitch Lênin
A teoria do imperialismo de Lênin
Movido pela exigência de compreender a situação gerada pelas crescentes rivalidades entre as grandes potências capitalistas, que empurravam o mundo para uma guerra generalizada, e pela urgência de encontrar uma resposta teórica e prática para o fortalecimento das tendências oportunistas no interior da social-democracia, a partir de 1912 Lênin voltou sua atenção para o estudo do imperialismo. A importância crucial que ele dava ao entendimento do imperialismo pode ser aquilatada nas suas próprias palavras: “O problema do imperialismo” – escreve em 1915 – “não é somente um dos problemas essenciais, mas provavelmente o mais essencial na esfera da ciência econômica que estuda a mudança de forma do capitalismo nos tempos modernos. Conhecer os fatos relacionados a esta esfera, [...], é absolutamente indispensável para quem se interessa, não só pela economia, mas por qualquer aspecto da vida social contemporânea”.
Produto de uma exaustiva pesquisa factual, que tinha os trabalhos de Hobson e Hilferding como principais referências, bem como de uma reelaboração do modo de aplicar o método de Marx, que levou Lênin a aprimorar a sua concepção dialética da História, O Imperialismo: etapa superior do capitalismo apresenta um “quadro de conjunto da economia mundial capitalista” no início do século XX que desmascara as ideias que apregoavam a possibilidade de conciliar imperialismo e “democracia mundial”.18 O fio da meada que articula a argumentação é dado pela caracterização dos múltiplos processos que relacionam as leis de movimento do capitalismo monopolista ao fenômeno do imperialismo. A preocupação de não desvincular o conhecimento da ação faz o foco da interpretação recair nos impactos das estruturas e dinamismos do capitalismo monopolista sobre a luta de classes em escala mundial e nas suas formas específicas de manifestação nos países desenvolvidos, atrasados e não desenvolvidos. O livro desvenda os nexos econômicos que determinam a necessidade inexorável do imperialismo na era dos monopólios. Sua finalidade última é desnudar as contradições do capitalismo monopolista e apontar a necessidade inelutável da revolução socialista como única solução civilizada que pode superar os horrores que acompanham o progresso capitalista.
Para definir os condicionantes objetivos e subjetivos da luta de classes na era do capitalismo monopolista, a teoria do imperialismo de Lênin combina dois movimentos. Por um lado, o capitalismo monopolista é compreendido como uma unidade dialética, que contempla não apenas todas as dimensões da economia e da sociedade - as forças produtivas, as relações de produção, a superestrutura jurídica e ideológica - em suas relações de mútua determinação no interior de cada formação social, como também os nexos inextrincáveis de exploração econômica e dominação política que condicionam a relação entre as diferentes formações econômicas e sociais que conformam o sistema capitalista mundial. Por outro lado, a tendência efetiva da luta de classes é relacionada aos condicionantes subjetivos que a determinam: os efeitos das novas contradições sobre o comportamento das classes sociais; a possibilidade de o acirramento dos antagonismos gerar uma crise revolucionária que abra espaço para saltos históricos; a polarização da luta de classes entre revolução e contrarrevolução; o risco de o proletariado desperdiçar a oportunidade histórica de superar o capitalismo pela ausência de uma teoria revolucionária que unifique a classe para enfrentar a burguesia.
É a sua capacidade de chegar a uma síntese explicativa sobre o caráter do novo momento histórico – a definição do imperialismo como regime de transição do capitalismo para o socialismo - e a contradição que o preside – o crescente antagonismo entre a socialização das forças produtivas em escala mundial e a apropriação privada dos meios de produção por uma oligarquia financeira - que lhe permite definir as tendências em luta – socialismo ou barbárie - e os desafios imediatos que devem ser enfrentados pela classe operária para impulsionar a revolução socialista internacional – transformar a guerra imperialista em guerra civil. “Nesse sentido,” – afirma Gruppi - “Lênin continua a obra de Marx acrescentando-lhe um novo e essencial capítulo e coloca o marxismo em condições de enfrentar, no plano da teoria e da ação revolucionária, a nova época histórica com que se defronta o proletariado. [...] A conquista teórica de Lênin está na lúcida visão de como a estratégia do proletariado deve ser posta no quadro do desenvolvimento imperialista”.
Ao qualificar o imperialismo como superestrutura do capitalismo monopolista, forma política de dominação do capital financeiro sobre a sociedade burguesa, a interpretação de Lênin contrapôs-se ao revisionismo de Bernstein, que previa uma evolução lenta e pacífica do capitalismo ao socialismo, e ao reformismo de Kautsky, cuja visão parcial e abstrata do imperialismo contemplava a possibilidade ora de um capitalismo sem imperialismo, ora de um ultra imperialismo sem guerras. Em relação aos alentados tratados teóricos e históricos de seus contemporâneos social-democratas, como Rosa Luxemburgo, Bukarin e o próprio Hilferding, o diferencial de sua teoria reside na sua definição dos nexos orgânicos de mútua determinação entre o padrão de acumulação e o padrão da luta de classes. “A concepção leninista do imperialismo” – diz Lukács – “é, de modo aparentemente paradoxal, por um lado uma proeza teórica considerável, e por outro contém sob o ângulo de uma teoria puramente econômica bem poucas novidades reais. [...] A superioridade de Lenine consiste nisto: ter sabido – [...] – ligar concreta e completamente a teoria econômica do imperialismo a todos os problemas políticos da atualidade e fazer do conteúdo da economia, nesta nova fase, o fio condutor de todas as ações concretas no mundo assim organizado”.
Concluído na primavera de 1916, às vésperas dos acontecimentos que levariam à Revolução de Outubro, O Imperialismo é muitas vezes interpretado como um documento conjuntural, sem maior valor teórico, um panfleto que sistematiza e divulga o conhecimento já estabelecido pela literatura liberal e socialista sobre as mudanças econômicas e políticas que transformavam o padrão de desenvolvimento capitalista. É uma interpretação equivocada. A linguagem simples utilizada por Lênin para tornar suas ideias acessíveis aos militantes socialistas revolucionários não deve iludir o leitor. O estilo direto do texto camufla a complexidade de sua trama. Seu ensaio é uma sofisticada construção intelectual, onde todos os elos do raciocínio estão cuidadosamente conectados por vínculos dialéticos que definem uma totalidade concreta. Além de estabelecer a forma específica assumida pelo imperialismo no início do século XX e os desafios históricos daí decorrentes, análise que fundamentou os passos de Lênin como referência máxima da primeira revolução socialista, O Imperialismo contém uma elaborada metodologia de análise das leis de movimento do capitalismo e da luta de classes na era dos monopólios, bem como uma interpretação, de caráter estrutural, sobre o significado histórico do imperialismo como regime de transição do capitalismo para o socialismo – conquistas do pensamento revolucionário que têm um valor mais geral e preservam sua vitalidade como referência teórica e metodológica para a compreensão do capitalismo contemporâneo. Posto em perspectiva histórica, o livro extrapola largamente sua importância conjuntural para se transformar no que Tom Kemp classificou de “[...] a major document of twentieth-century Marxism”.
Tendo como fundamento as formulações de Marx na Introdução de 1857 do livro Contribuição à Crítica da Economia Política, a teoria do imperialismo de Lênin atualiza a interpretação sobre as leis de movimento do capitalismo e tira suas consequências práticas para a luta revolucionária da classe operária.22 A sua estrutura lógica organiza-se seguindo o procedimento clássico do método dialético, que se desdobra do abstrato – o capital financeiro – ao concreto – uma época histórica marcada por conflitos radicais e grandes comoções sociais que polarizam a luta de classes entre a revolução e a contrarrevolução; das categorias mais simples – o monopólio – às categorias mais complexas – o imperialismo como superestrutura do capitalismo monopolista; da aparência do fenômeno – a guerra como a defesa do interesse nacional – à sua essência – o imperialismo como a força motriz que explica a necessidade inexorável da força militar como arma de conquista na era do capitalismo monopolista. A argumentação desenrola-se buscando determinar os múltiplos aspectos que definem o imperialismo como a superestrutura do capitalismo monopolista; a sua lógica de funcionamento; o desenvolvimento de suas estruturas e as tendências que daí decorrem; o choque de opostos que determina as contradições que impulsionam o movimento histórico; os nexos fundamentais que condicionam a sua unidade sintética como fenômeno histórico; o devir que delimita o campo de oportunidades que se coloca no horizonte histórico.
Adepto do princípio da objetividade da dialética, Lênin associa seus movimentos teóricos às evidências empíricas que os fundamentam, combinando uma complexa estrutura analítica com uma densa base empírica, características que imprimem a seu trabalho um elevadíssimo poder de persuasão. A relação explícita entre as categorias abstratas e as relações sociais de produção que lhe são correspondentes põe em evidência as bases sociais do capitalismo monopolista, afastando Lênin de qualquer reducionismo economicista que pudesse comprometer seu objetivo maior de mostrar os nexos entre acumulação de capital, mudança social e luta de classes. O entendimento do conceito abstrato como expressão pensada do real leva a investigação a se desenvolver como um processo contínuo, de sucessiva aproximação à realidade histórica. A recusa em cristalizar os conceitos e transformar as análises em verdades absolutas faz com que sua interpretação assuma a forma de um corpo de conhecimento permanentemente permeável às mudanças da realidade histórica. Portanto, mais do que uma explicação definitiva, sua teoria do imperialismo deve ser concebida como um ponto de partida para novas investigações. Daí o caráter necessariamente inconcluso de sua reflexão. “Pode-se dizer” – afirma Gruppi – “que é possível extrair de Lênin uma indicação metodológica do seguinte tipo: deve-se ir da categoria (abstrata) até a investigação do concreto, inferir daqui novas categorias científicas, sempre abstratas enquanto tais, porém mais complexas e mais próximas ao concreto para com elas levar a investigação a um novo nível e assim por diante”.
A fim de explicitar as conclusões da teoria do imperialismo que têm um caráter estrutural e permanecem vigentes como determinantes gerais do imperialismo contemporâneo, separando-as das formulações de caráter conjuntural, determinadas pelas condições históricas específicas do início do século XX, é importante reconstituir o movimento metodológico e teórico que leva Lênin a caracterizar o imperialismo como clímax do desenvolvimento capitalista. Seguindo o procedimento de uma aproximação paulatina ao objeto, que avança através de círculos sucessivos, do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, em que cada círculo incorpora as determinações do círculo anterior até a conformação da totalidade concreta, que define as bases fundamentais do processo histórico, o raciocínio desenvolvido em O Imperialismo evolui associando: o desenvolvimento do capitalismo à gênese do capitalismo monopolista; a gênese do capitalismo monopolista à dominação de uma oligarquia financeira e ao aparecimento de uma aristocracia operária; as leis de movimento do capitalismo monopolista ao aparecimento do imperialismo como padrão de relacionamento que preside a economia mundial; a caracterização do imperialismo como regime de transição à formação das bases objetivas para a construção do socialismo; o zênite do mundo burguês ao avanço da barbárie; a impossibilidade de reformar o imperialismo à revolução socialista como única alternativa que pode barrar o avanço da barbárie capitalista. É esta linha de raciocínio – que será explicitada abaixo - que levou Lênin à conclusão de que o acirramento das contradições e dos antagonismos do capitalismo tendia a polarizar a luta de classes entre revolução e contrarrevolução.
Apoiando-se em uma ampla base de evidências empíricas sobre o processo de monopolização da indústria e dos bancos, Lênin recorre à lei da tendência à concentração e centralização do capital, que condiciona a reprodução ampliada do capital, para explicar o processo histórico de transformação do capitalismo competitivo em capitalismo monopolista – a mudança fundamental que carateriza o esgotamento definitivo do papel progressista do capitalismo como modo de produção. Atendo-se ao plano das forças produtivas e das relações de produção, sua investigação mostra como as transformações quantitativas na composição técnica e na composição orgânica do capital se convertem em transformações qualitativas, dando origem ao capital financeiro – uma fusão do monopólio industrial com o monopólio bancário. Independentemente da forma histórica que assume o processo de formação do capital financeiro (que, baseando-se na experiência alemã, Lênin atribuía ao papel estratégico dos bancos), o capitalismo monopolista carateriza-se pela extraordinária ampliação das bases técnicas e financeiras do capital. A formação de uma espécie de “capitalista coletivo”, que aglutina grandes massas de capitais industriais e bancários, representa uma forma mais avançada de organização do capital que modifica as leis de movimento do capitalismo. A ampliação da escala das forças produtivas e o aumento das massas de capitais monetários que ficam sob o comando do capital financeiro implicam um salto de qualidade no poder destas frações de capital de mobilizar todos os meios imagináveis – econômicos e políticos - para potencializar o processo de valorização do capital. Ao diminuir radicalmente as barreiras temporais e espaciais à acumulação de capital, a elevação na mobilidade espacial do capital, o incremento na sua capacidade de mutação de forma, a intensificação do ritmo de rotação do capital fazem crescer exponencialmente a sua faculdade de comandar trabalho e disputar as oportunidades de negócio em escala mundial. A expansão do capital internacional, o aumento na liquidez do capital, a intensificação de sua fluidez intersetorial, a hipertrofia da órbita financeira e dos circuitos de valorização fictícia do capital são fenômenos associados à profunda redefinição da relação do capital com o espaço e com o tempo.
O aparecimento do capital financeiro provoca importantes mudanças no comportamento das classes sociais, gerando o substrato social e ideológico do capitalismo monopolista e de sua superestrutura imperialista.
Por um lado, a expansão e a centralização do capital financeiro dão origem a uma oligarquia financeira, com uma complexa rede de interesses internacionais, que prepondera sobre o conjunto dos capitalistas. A sua ramificação, na forma de “união pessoal”, pelas altas esferas da indústria, das finanças e do Estado, potencializa ainda mais seu poder econômico e político. O controle da economia, das finanças e dos assuntos do Estado transforma a luta pelo controle territorial da economia mundial e a violência como método de acumulação - o imperialismo - em razão de Estado. A necessária correspondência entre os interesses econômicos da oligarquia financeira e sua ideologia encontra-se na raiz das ideologias colonialistas e chauvinistas que caraterizam a etapa superior do capitalismo.25 A impossibilidade de conciliar internacionalização de capital e autodeterminação dos povos, capitalismo e paz, é, portanto, uma determinação estrutural da hegemonia do capital financeiro. “Lo característico del imperialismo es precisamente la tendencia a la anexión no sólo de las regiones agrarias, sino incluso de las más industriales [...] pues, en primer lugar, la división ya terminada del globo obliga, al proceder a un nuevo reparto, a alargar la mano hacia toda clase de territorios; en segundo lugar, para el imperialismo es sustancial la rivalidad de varias grandes potencias en sus aspiraciones a la hegemonía, esto es, a apoderarse de territorios no tanto directamente para sí, como para debilitar al adversario y quebrantar su hegemonía [...].”
Por outro lado, a emergência do capitalismo monopolista promove uma profunda diferenciação entre “las ‘capas superiores’ de los obreros y la ‘capa inferior, proletaria propiamente dicha’“, criando uma “aristocracia operária” que tende a se identificar com os valores da pequena burguesia.27 A base real de existência desta aristocracia operária – os grandes monopólios – aproxima seus interesses corporativos imediatos da política do imperialismo. O “oportunismo” político que compromete a unidade da classe operária em torno de seus objetivos estratégicos de longo prazo surge, assim, como um fenômeno que se enraíza na realidade histórica. “La obtención de elevadas ganancias monopolistas por los capitalistas de unas tantas ramas de la industria, de uno o de tantos países, etc., les brinda la posibilidad económica de sobornar a ciertos sectores obreros, y, temporariamente, a una minoria bastante considerable de estos últimos, atraiéndolos al lado de la burguesía de dicha rama o de dicha nación, contra todos los demás. El acentuado antagonismo de las naciones imperialistas en torno al reparto del mundo ahonda esa tendencia”.
A caracterização do imperialismo como superestrutura necessária do capitalismo monopolista, que tem sua base de sustentação social na hegemonia do capital financeiro e na emergência de uma aristocracia operária, decorre da lógica de conquista econômica e territorial que se impõe como padrão de relacionamento entre os cartéis internacionais e as potências capitalistas que disputam o controle da economia mundial. Em relação às formas de conquista e dominação de outras épocas, a especificidade do imperialismo moderno está associada às forças motrizes que o impulsionam, isto é, à forma que assume a disputa entre os cartéis internacionais e entre os Estados rentistas pelo controle das oportunidades de negócios no mundo. Citando Hobson, Lênin explicita a questão: “El nuevo imperialismo se distingue del viejo, primero en que, en vez de la aspiración de un solo imperio creciente, sostiene la teoría y la actuación práctica de imperios rivales, guiando-se cada uno de ellos por idénticos apetitos de expansión política y de beneficio comercial; segundo, en que los intereses financieros o relativos a la inversión del capital predominan sobre los comerciales”.
O vínculo inexorável entre o aparecimento de uma oligarquia financeira e os processos econômicos e políticos que levam à formação de uma economia mundial, marcada por uma complexa teia de relações de dependência e dominação, enfatiza os nexos entre uma multiplicidade de fenômenos que são típicos do capitalismo avançado: o processo de monopolização do capital financeiro; a geração de excedentes que transbordam a possibilidade de aplicação na economia nacional e dão lugar a um processo de exportação de capitais; a formação de cartéis internacionais que disputam o controle da economia mundial; o impacto desigual do desenvolvimento capitalista sobre as diferentes formações sociais; o envolvimento do Estado na disputa pelo controle dos territórios; a configuração de uma economia mundial extremamente assimétrica, composta de países desenvolvidos em ascensão e em decadência, bem como de países atrasados que são envolvidos nas teias do imperialismo e, de alguma maneira, combinam avanço das forças produtivas, expansão das relações de produção capitalistas e geração de relações de dependência externa. A conexão necessária entre capitalismo monopolista, rivalidades nacionais e o ressurgimento de novas formas de exploração e dominação das sociedades atrasadas foi sintetizada por Lênin nos seguintes termos: “El imperialismo es el capitalismo en la fase de desarrollo en que ha tomado cuerpo la dominación de los monopolios y del capital financiero, ha adquirido señalada importancia la exportación de capitales, ha empezado el reparto del mundo por los trustes internacionales y ha terminado el reparto de toda la tierra entre los países capitalistas más importantes”.
O caráter específico que assume o imperialismo ao longo do tempo e a sua forma concreta de manifestação em cada formação econômica e social dependem do modo pelo qual se combinam as tendências à concentração e centralização de capitais com a lei do desenvolvimento desigual em cada conjuntura histórica. No entanto, qualquer que seja a estratégia que orienta a política do Imperialismo – o controle dos mercados, o acesso privilegiado à força de trabalho, o monopólio sobre as fontes de matérias-primas, o açambarcamento das oportunidades de negócios, o domínio das vias de transporte e comunicação, o controle do território – e qualquer que seja a forma assumida da disputa pelo controle da economia mundial – econômica ou política, lícita ou ilícita, pacífica ou violenta -, a luta entre os grandes trustes internacionais impõe uma lógica de dominação que coloca o mundo sob permanente tensão. “Los capitalistas no se reparten el mundo llevados de una particular perversidad, sino porque el grado de concentración a que se ha llegado les obliga a seguir este camino para obtener beneficios y se lo reparten ‘según el capital’, ‘según la fuerza’; otro procedimiento de reparto es imposible en el sistema de la producción mercantil y del capitalismo. La fuerza varía a su vez en consonancia con el desarrollo económico y político. Para comprender lo que está aconteciendo hay que saber cuáles son los problemas que se solucionan con los cambios de la fuerza, pero saber si dichos cambios son ‘puramente’ económicos o extraeconómicos (por ejemplo, militares) es un asunto secundario que no puede hacer variar en nada la concepción fundamental sobre la época actual del capitalismo. Suplantar el contenido de la lucha y de las transacciones entre los grupos capitalistas por la forma de esta lucha y de las transacciones (hoy pacífica, mañana no pacífica, pasado mañana, otra vez no pacífica) significa descender hasta el papel de sofista”.
A definição do imperialismo como regime de transição que prepara as bases objetivas do socialismo está determinada pela substituição do capitalismo baseado na livre concorrência pelo capitalismo fundado no monopólio. Lênin atribui a exacerbação das contradições do modo de produção capitalista à metamorfose da livre concorrência na sua antítese: o monopólio. A progressiva monopolização da produção aguça a contradição entre a crescente socialização das forças produtivas e a continuidade de um regime social baseado na apropriação privada dos meios de produção. O contraste entre o crescimento exponencial da produção social e o aumento da desigualdade na distribuição do excedente social exacerba os antagonismos sociais. O controle centralizado dos meios de produção pela oligarquia financeira, que cria as bases gerenciais para uma economia baseada no planejamento central, leva ao limite a irracionalidade na utilização dos recursos produtivos da sociedade. Tal irracionalidade é ainda reforçada pelo esvaziamento da capacidade do poder público de impor limites à atuação do capital financeiro. Por fim, a integração dos países atrasados na rede de dependência e dominação do capital financeiro acelera a penetração de relações de produção tipicamente capitalistas e estimula a expansão de suas forças produtivas, transformando em antagonismo insuperável a contradição entre a lógica de conquista do imperialismo e a aspiração de autodeterminação dos povos que fazem parte do elo fraco do sistema capitalista mundial. O imperialismo amadurece, assim, as condições que determinam a necessidade e a possibilidade do socialismo: “[...] las relaciones de economía y propiedad privada constituyen una envoltura que no corresponde ya al contenido, que esa envoltura debe inevitablemente descomponerse si se aplaza artificialmente su supresión, que puede permanecer en estado de decomposición durante un período relativamente largo (en el peor de los casos, si la 46 curación del tumor oportunista se prolonga demasiado), pero que, con todo y con eso, será ineluctablemente suprimida”.
Lênin atribui as tendências que levam o desenvolvimento do capitalismo monopolista a provocar a agonia do modo de produção capitalista ao caráter particularmente agressivo e predatório assumido pela lógica de acumulação do capital financeiro. As novas características do desenvolvimento capitalista - a crescente importância de formas parasitárias de acumulação, a inevitável eclosão de crises econômicas agudas e recorrentes, a desconexão radical entre o progresso subordinado à lógica dos lucros e as necessidades sociais da grande maioria da população, o aparecimento de Estados rentistas que exploram os países coloniais e neocoloniais, o caráter estrutural das rivalidades entre as grandes potências que disputam o controle da economia mundial – resultam, a seu ver, de um padrão de concorrência inter capitalista que combina as relações de dominação típicas dos monopólios com as relações mercantis típicas do capitalismo. Desse modo, Lênin vincula a exacerbação das taras do capital às formas de acumulação de capital que caraterizam o capitalismo monopolista, isto é, ao rentismo, à especulação financeira, comercial e imobiliária, à corrupção e a fraude, à gestão temerária dos negócios, à sabotagem dos concorrentes, às pressões espúrias sobre fornecedores, ao lucro extorsivo, à superexploração do trabalho nos países colônias e semicoloniais, à guerra como negócio. “Las relaciones de dominación y la violencia ligada a dicha dominación: he ahí lo típico en la ‘fase contemporánea de desarrollo del capitalismo’, he ahí lo que inevitablemente tenía que derivarse y se ha derivado de la constitución de los todos-poderosos monopolios económicos”, resume Lênin.
Ao contrário dos teóricos marxistas que identificavam o fim do capitalismo com o seu desmoronamento econômico, provocado pela tendência decrescente da taxa de lucro, na teoria do imperialismo de Lênin a agonia do capitalismo não decorre de sua inviabilidade econômica, mas, paradoxalmente, exatamente de seu oposto: a impossibilidade de impor limites à reprodução ampliada do capital e atenuar seus efeitos perversos sobre a sociedade.34 A degeneração do capitalismo é o resultado de seu desenvolvimento. A necessidade de sua superação é determinada por sua inviabilidade política. Os métodos violentos e predatórios do capital financeiro levam os antagonismos sociais a tal ponto que as tensões e os conflitos que daí decorrem tendem a comprometer as bases sociais e políticas de sustentação da sociedade burguesa. Nos países capitalistas desenvolvidos, a supremacia do capital financeiro vem acompanhada da deterioração das condições de vida da grande maioria da população. Nas regiões coloniais e semicoloniais, o imperialismo significa crescente exploração e opressão. “Los monopolios, la oligarquía, la tendencia a la dominación en vez de la tendencia a la libertad, la explotación de un número cada vez mayor de naciones pequeñas o débiles por un puñado de naciones riquísimas o muy fuertes: todo esto ha originado los rasgos distintivos del imperialismo que obligan a calificarlo de capitalismo parasitario o en estado de decomposición”.
A avaliação de que os gravíssimos problemas do imperialismo têm raízes profundas, determinadas pelas leis de movimento do capitalismo monopolista, leva Lênin a descartar a viabilidade de “reformas” que possam atenuar os aspectos mais deletérios do imperialismo. A impossibilidade de voltar à livre concorrência e a inviabilidade de domar o imperialismo, tornando-o compatível com a democracia e a autodeterminação dos povos, alternativas românticas que alimentavam as esperanças das oposições pequeno-burguesas que procuravam uma solução por dentro da ordem estabelecida, deixavam como única saída a revolução socialista. Recorrendo a uma citação de Hilferding, Lênin conclui: “No incumbe al proletariado oponer a la política capitalista más progresiva la política pasada de la época del libre cambio y la actitud hostil frente al Estado. La respuesta del proletariado no puede ser actualmente la restauración de la libre competencia – que se ha convertido ahora en un ideal reaccionario -, sino únicamente la destrucción completa de la competencia mediante la supresión del capitalismo”.
Plínio de Arruda Sampaio Júnior